Friday, October 21, 2022

BRASIL: Editorial semanal – Eleição da desordem

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Ilustração Velho Estado ruindo. Foto: Banco de Dados AND

O resultado das urnas do 1o turno confirmaram duas verdades: uma, a desmoralização cabal a que chegou a farsa eleitoral com sua falsa polarização, onde quem vota o faz pelo motivo de não permitir que o outro concorrente vença. A outra, que as ações dos partidos das frações das classes dominantes, divididas pela crise geral do país, arrastaram o país para a divisão de jogar massas contra massas. O resultado mostra que a divisão dos votantes não são por classes, mas sim vertical, de cima a baixo da sociedade. Isto além do rechaço de um terço que boicota. É tal a gravidade que os arautos da velha democracia correram a fazer pesquisa inédita, para proclamarem que “81% do eleitorado” votou no candidato porque o tem como o melhor e que só 15% votou em um para que o outro não vença. Prognósticos tão corretos como os para o pleito do dia 2, em que davam vitória de Luiz Inácio no primeiro turno.

Já na corrida do 2o turno, Luiz Inácio, frustrado, busca não passar recibo da derrota parcial, agravada pela melhora de Bolsonaro nas primeiras pesquisas após 2 de outubro. Nos bastidores da campanha petista, já surgem as polêmicas. Alguns creem que se deva insistir em chantagear o eleitorado com o binário “é Lula ou fascista”, enquanto outros insistem que o petista apresente mais concretamente suas propostas de como “retornar ao passado”.

É evidente que o desempenho de Bolsonaro acima do esperado pelas pesquisas de opinião (que, diga-se de passagem, fraudaram sem pudor a opinião pública) é um forte recado: um vasto segmento das massas repudia tanto o oportunismo petista que não lhe importa votar num tresloucado apresentado como “o contrário” do PT, ainda que isso seja alardeado como uma ameaça a essa tal palavra vazia, “democracia”. Em que momento as massas pobres puderam experimentá-la, afinal? Teria sido durante as diuturnas operações policiais nas metrópoles, ou nas chacinas no campo? Nos juros exorbitantes praticados no país, ou na imensa concentração de terras pelos latifundiários, tudo, respectivamente, como política social e econômica de todos os sucessivos governos? Isso, sem mencionar, a abstenção massiva, os votos nulos e brancos, que expressam um quadro enorme de massas desiludidas a tal ponto que repudiam tanto a farsa eleitoral quanto a falsa polarização em seu conjunto (quase 50 milhões).

Luiz Inácio crê que o seu trunfo está em neutralizar a hostilidade do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA), principalmente, já que teme que o mesmo impeça-o de ser empossado, uma vez eleito com pequena margem, ou de governar, ainda que tome posse. Por isso, também, busca ampliar cada vez mais seu leque de alianças à direita, como um aceno aos generais, por um lado, e para compor uma futura base governista no Congresso, por outro. Apresentou, recentemente, seu programa para a Defesa, com afagos, mimos e pedidos de desculpas às FA reacionárias. É apenas o começo.

Para tornar-se ainda mais palatável, o PT dedica-se com extraordinário zelo em não permitir que haja o mínimo de mobilização dos movimentos populares que encabresta, não se importando quão draconianas sejam as medidas de Bolsonaro para os trabalhadores e estudantes do país. O recente informe de contingenciamento na Educação (já revogado), que ameaçou paralisar o funcionamento das Universidades federais, não mereceu sequer críticas, ainda que demagógicas, do cabecilha petista, que apenas o mencionou em um discurso. Em suma, PT e Lula, tal qual cão obediente temendo o humor do dono, finge-se de morto.

Já Bolsonaro, sempre insistimos, feneceu desde 2018, mas não está morto. Com suas chantagens e ameaças, amplia a lista de medidas inconstitucionais para ganhar a eleição – como ampliação dos benefícios, que terão novo impulso antes do segundo turno – sem que nenhuma das instituições do Judiciário e Legislativo, menos ainda a covardia do oportunismo desmobilizador das massas populares, ousem barrá-lo, sob o risco de confirmar suas “denúncias” de que o PT está sendo favorecido. Se reeleito, Bolsonaro terá quatro anos para emplacar seu golpe através de criar situações que forcem o ACFA a render-se aos seus desmandos – para tanto, tem já garantido terreno muito fértil, pois, tanto a grave crise, quanto o estado de espírito das massas prometem que serão os mais tormentosos dos últimos 60 anos.

Já o ACFA, com a derrota eleitoral de Bolsonaro, aumentará suas ações para tanger o novo governo e aprofundar sua ofensiva contrarrevolucionária preventiva com a centralização, o mais absolutamente possível, do poder no Executivo, através de alterar a ordem legal, sem negá-la abertamente. A composição do novo Congresso e o reforço da bancada dita “bolsonarista” no Senado será utilizada pelos generais para impulsionar o processo de restrição dos demais poderes constitucionais e sua sujeição ao Executivo, o qual tutelarão com rédeas mais curtas. As declarações do recém-eleito senador, Hamilton Mourão, de pautar a reforma do judiciário, são bastante elucidativas.

A chave da situação política atual é que, ainda que derrotados, Bolsonaro e a extrema-direita sairiam com uma vitória. São dois os motivos.

Primeiro, pelo desempenho no primeiro turno, Bolsonaro demonstrou ter uma base de opinião pública que lhe garante, no mínimo, não ser preso agora. Pela covardia demonstrada até agora, ninguém, dentro das pocilgas que são essas instituições, correrá o risco de avançar contra ele, pondo em risco a estabilidade da velha ordem. O próprio ACFA não o permitiria, pelo mesmo motivo. Segundo, porque sua linha de atuação, como de toda extrema-direita, centrará em causar distúrbios, que só jogarão mais lenha na fogueira da crise e desestabilização da velha ordem em decomposição.

O clima político de suspeição ao próximo governo, seja ele qual for, tanto nos círculos de decisão das classes dominantes divididas, quanto nas massas insatisfeitas e com o racha explícito a que levaram o país, cuidará de alastrar a desordem. Por um lado, atentados e provocações da extrema-direita crescerão inevitavelmente ou para desgastar o governo lulista, caso Bolsonaro seja derrotado, ou para apoiar os afãs golpistas do capitão eleito. É o que produzirá essa covarde divisa “barrar o fascismo nas urnas”. Por outro lado e, também inevitavelmente, se insurgirão as massas rebeladas contra todo o estado de coisas criado: esta é a divisa do povo para barrar a ofensiva contrarrevolucionária com a revolução.

Em síntese, ambos os candidatos recebem, em sua maioria, votos de rechaço ao oponente, e não de apoio efetivo, sem mencionar cerca de um terço que rechaça a todos com o boicote à farsa eleitoral. O próximo governo já é ilegítimo, seja qual seja o resultado. Esse é o ultrassom do feto em gestação no ventre da crise da velha democracia. As eleições parirão necessariamente grandes desordens.