Por todo o Brasil, entregadores se organizam por direitos
Desde manifestações contra violência policial em abordagens em Porto Alegre, até sabotagem contra bicicletas do Itaú contra os preços de aluguel abusivos no Rio de Janeiro, os entregadores e motoboys têm se organizado e lutado por direitos em todo o Brasil no mês de outubro.
RS: Motoboys denunciam agressão policial
Motoboys protestaram em frente a sede da EPTC em Porto Alegre. Foto: Reprodução/ Anderson Pereira
Motoboys protestaram no dia 17/10 em frente à sede da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), após o entregador Paulo Roberto Severo Vieira Junior, de 30 anos, ter sido agredido por policiais durante uma abordagem no trânsito. Os trabalhadores ergueram no local uma faixa onde se lia Respeita o motoboy! Motoboy não é bandido!.
Trabalhador de entrega há cinco anos, Douglas Benites, membro do sindicato dos motociclistas profissionais, participou do protesto e afirmou ao Correio do Povo (do monopólio de imprensa Grupo Record), que a categoria precisa fazer uma média de 15 horas diárias para conseguir levar "arroz, feijão, carne para o sustento da família e pagar o aluguel". Após a manifestação na EPTC, os trabalhadores seguiram em passeata pela cidade.
A agressão contra o trabalhador Paulo Roberto aconteceu na tarde do dia 13/10, quando ele levava a sua bicicleta motorizada para conserto. Os agentes o pararam e alegaram que sua bicicleta estava sem equipamento de iluminação, que ele estava sem capacete e não havia documento de compra e venda do motor. Os agentes procederam, então, a retirar do trabalhador seu meio de sobrevivência, ao que ele resistiu e continuou a segurar a bicicleta. Um policial então o retirou à força, deu um tapa e uma rasteira em Paulo Roberto, fazendo-o cair no meio-fio. Em seguida, o policial levou sua bicicleta.
Na mesma noite, motoboys organizados através de um grupo de conversas divulgaram o endereço do agente agressor e protestaram em frente à sua casa, com buzinaços, foguetes e palavras de ordem.
RJ: mobilizações contra a detenção de entregador de 15 anos pela polícia
Entregadores fazem protesto em delegacia após polícia deter menor de idade que trabalhava como entregador para complementar renda familiar. Foto: Thalita Gallucci Sotero / Ponte Jornalismo
Um adolescente de 15 anos que trabalhava como entregador do aplicativo iFood para complementar a renda da família foi detido no dia 04/10 por policiais da “Segurança Presente” no Largo da Carioca, durante um protesto de dezenas de entregadores contra o aumento abusivo nos preços de aluguéis das bicicletas do monopólio bancário Itaú.
De acordo com a polícia, o jovem foi levado pelos agentes até a 5ª Delegacia da Polícia Civil, após ter sido visto pelos policiais furando pneus de bicicletas da empresa Bike Itaú. Outros entregadores que acompanharam o jovem junto dos policiais até a delegacia, para prestar apoio ao adolescente, foram atingidos por spray de pimenta pelos policiais. Eles ficaram em frente à delegacia até que o jovem fosse liberado.
Em entrevista ao jornal Ponte, o adolescente informou que mora com a mãe e uma irmã, e trabalha como entregador através da empresa iFood há cerca de dois meses para ajudar na renda familiar. Disse ainda que se negou a assinar um termo de responsabilidade sobre o ocorrido apresentado pelos agentes ainda no local por ser menor de idade.
BA: Entregadores bloqueiam avenida após agressão contra motoboy
Motoboys bloquearam a Avenida Princesa Isabel, na Barra, bairro rico de Salvador, dia 11/10, um dia após um entregador ter sido agredido, xingado de “bandido” e “vagabundo” e ter sua moto danificada por um cliente que se recusou a fornecer o código do aplicativo para retirada do pedido. Diante disso, o motoboy não poderia efetuar a entrega.
Aplicativos mantém entregadores em regime de superexploração e sem direitos para obter lucros máximos
A situação dos motoristas entregadores piorou e muito nos últimos anos, sobretudo após o advento dos aplicativos de entrega. Estes trabalhadores, além de não terem qualquer direito trabalhista, podem ou não ser dono do seu instrumento de trabalho imediato (o veículo, motocicleta, bicicleta, ou outros). O meio de trabalho mais importante, porém, é o programa, o software.
O artigo Exploração capitalista e os ‘motoristas de aplicativos’ analisa esta relação de produção específica, que é semelhante aos entregadores. No texto, é apontado que “a forma de apropriação do produto (do fruto do trabalho, ou seja, o dinheiro pago pelos clientes em função das ‘corridas’ [ou entregas]) é absolutamente desigual, conformando-se como uma apropriação capitalista, extração de mais-valor pela força do capital”. A taxa de apropriação não raro chega a mais de 1/3 do valor, e apenas uma pequena parcela se destina a reproduzir o software como capital, ou seja: “A taxa de lucro é absurdamente alta! A apropriação capitalista mostra-se brutal”.
Além disso, o artigo também destaca que: “Os custos para a reprodução dos outros instrumentos necessários ao trabalho, por sua vez, não são arcados pelo monopólio, como ocorre na indústria fabril. Numa fábrica, por exemplo, os custos para reproduzir as máquinas, a infraestrutura, a manutenção da fábrica etc. são arcados pelo capitalista com uma parte do produto produzido pelos operários, da parte apropriada pelo capitalista.”. No caso dos motoristas de aplicativo ou entregadores, os maiores custos são “arcados diretamente pelo próprio trabalhador com a parte do produto apropriada por ele mesmo! O motorista [ou entregador] arca sozinho com o combustível, impostos do veículo e até mesmo o desgaste produtivo dele. O motorista também custeia a sua alimentação durante o expediente, a previdência e outros encargos. Depois de descontados todos esses custos, somente depois, podemos chamar o que sobrar de salário (o que Marx chamou de "assalariamento por peça", a saber, por corrida produzida, e não por tempo).”.
A empresa iFood teve no ano de 2021 a receita de 991 milhões de dólares (mais de R$ 5 bilhões) em 2021. A dona da empresa, por sua vez, é o monopólio alemão Delivery Hero.
Enquanto oferece uma renda insuficiente aos trabalhadores, a iFood não oferece quaisquer direitos trabalhistas para os entregadores. Ao contrário, delega todo e qualquer vínculo empregatício a empresas terceirizadas, que prometem “registro em carteira profissional de trabalho de todos os entregadores”, e mesmo assim não cumprem. Dessa forma, todo tipo de responsabilização pela falta de direitos para os entregadores recai sobre essas empresas e não sobre a iFood.
Os entregadores são, dessa forma, submetidos a regimes brutais de exploração e sem quaisquer garantias empregatícias. Além disso, são constantemente fustigados por policiais, agredidos, multados e têm suas ferramentas de trabalho confiscadas.