- Redação de AND
Editorial semanal – Cortina de fumaça
Causou enorme alarde, na semana passada, a denúncia veiculada em “O Estado de São Paulo” segundo a qual o Ministro da Defesa, Walter Braga Netto, teria ameaçado o Presidente da Câmara, caso este não pautasse a PEC do voto impresso. Segundo aquele jornal, o militar teria dito, por meio de um interlocutor, que “sem voto impresso não haverá eleição em 2022”.
De cara, é preciso que se façam duas ressalvas: em primeiro lugar, os democratas e revolucionários não podem tomar como verdade absoluta nem uma linha sequer saída dos monopólios de imprensa, dos dirigentes das classes dominantes ou dos seus porta-vozes oficiais e oficiosos. Ainda mais, num cenário de crise e divisão profundíssima, em que as deserções e manobras diversionistas avultam no campo inimigo, absorvido por feroz luta intestina.
Em segundo lugar, e mais importante, caso tal declaração tenha ocorrido naqueles termos – e tudo indica que, sim, tratou-se a ameaça de um fato, de tal modo que até o senhor oficial-general da reserva Santos Cruz, hoje antibolsonarista ferrenho, ter se indignado com tamanha “politização dos quartéis”, indignação que não exporia se não soubesse, por fontes seguras, se tratar de fato concreto o disparate de Braga Netto – ela não é mais contundente do que as que vieram a público, pela ordem que arquivou a denúncia contra Pazuello (por ter participado em comício político, o que é vedado pela lei) e impôs sigilo de um século sobre seus trâmites internos. Sem mencionar a Nota assinada pelo mesmo Ministro e pelos comandantes das Forças Armadas a 7 de julho, repreendendo com dureza uma tímida fala do presidente da CPI, Omar Aziz.
O fato concreto é que, no mesmo dia em que os monopólios de imprensa vazaram dita ameaça do Ministro da Defesa, Bolsonaro loteou de vez o governo, guindando Ciro Nogueira à condição de Ministro. Por que alguém em condições de dar um golpe de Estado faria semelhante manobra, a fim de salvar o mandato – e a liberdade – ao custo de grande desmoralização perante sua própria base? Não é, por acaso, o caso claro de um governo fraco, que se vê obrigado a manter-se às custas de gordos subornos enquanto espera e labora por novas condições, de caos, que lhe propicie arrastar os generais? Não é a suposta ameaça de Braga Netto, tal como a anterior veiculada em nota conjunta dos comandos das três forças, uma tentativa de coagir a “quem interessar” a não apontar a CPI contra as Forças Armadas? E mais: não seria um posicionamento mais que lhes permitam questionar o resultado das próximas eleições, caso a marcha dos acontecimentos lhes obriguem a desrespeitá-las? Não foi por acaso essa dita ameaça a mesma que declarou o então comandante do Exército general Villas-Bôas, às vésperas das eleições de 2018, quando do incidente da facada em Bolsonaro, ao dizer que “o próximo governo” assumiria “sem legitimidade”?
No fim das contas, tanto a nota do dia 7 quanto o suposto recado de Netto são menos uma defesa de Bolsonaro, que das próprias Forças Armadas como corporação intocável (quase uma casta), medula do velho Estado reacionário. Isto porque torna-se cada vez mais escancarada sua natureza genocida e corrupta; não apenas sua cumplicidade, como seu protagonismo no morticínio de mais de 550 mil brasileiros em pouco mais de um ano, além das benesses acumuladas pelos oficiais-generais, que geram descontentamento entre a própria soldadesca. Apenas no mês de julho, os Três Patetas – Heleno, Ramos e Braga Netto – acumularam, cada um, salários superiores a 100 mil reais. São estes privilégios indecentes, e o manto de silêncio sobre seus crimes seculares, que os gorilas defendem. Na verdade, o governo militar é um fato, está aí, escancarado, para quem quiser ver, instalado a despeito das eleições, e até legitimado por elas, situação ideal para o desdobramento do golpe. É o que tem dito AND, desde 2017.
O oportunismo, como parte da velha ordem, aproveita-se desta cortina de fumaça para converter o legítimo espírito de insatisfação popular em dóceis marchas pela “legalidade”, e mesmo em defesa, vejam só, das urnas eletrônicas, sem dúvida mais vulneráveis a manipulações externas do que as cédulas de papel. De todo modo, o mecanismo, em si, pouco importa: não há democracia genuína fundada sobre o latifúndio, a grande burguesia e o imperialismo. Sob o tacão destes monopólios, as eleições não podem ser mais do que uma farsa. A propósito, uma das vozes que repercutiu a declaração de Braga Netto foi a do Embaixador ianque Todd Chapman, para quem “o compromisso com a democracia deve ser visto como inegociável” e “o câncer do Brasil não é o golpe, mas a corrupção”, citando apenas casos praticados pelos governos petistas. Como se vê, a democracia brasileira, para ele, é parte dos seus negócios; isso não significa que não apoiam o golpe militar em curso, desde que se apresente, de forma minimamente convincente, por porta-voz da democracia, ainda que desemboque num outro regime, e desde que sirva a seus planos para América Latina.
Aqui, faz-se necessária uma ressalva histórica. Não é em quaisquer condições que quarteladas podem vencer e mais específicas ainda àquelas nas quais podem se manter; nem dependem da mera vontade, ou mesmo da convicção, de uns quantos celerados. Mais de uma vez, a vida política nacional registrou movimentos golpistas deste tipo serem derrotados pelos seus próprios pares – o que fez parecer a muitos que havia um lado “progressista” nas Forças Armadas, quando tal arbitragem, na verdade, era apenas uma expressão da tutela destas sobre a nossa republiqueta bananeira como um todo. Após cada tentativa golpista frustrada, seus líderes eram anistiados – padrão totalmente distinto do aplicado contra os levantamentos de caráter popular e revolucionário – e o poder dos senhores generais “legalistas” reforçava-se tremendamente. Isto ocorreu muitas vezes, como após o levante integralista em 1938, na “Novembrada” em 1955, nos episódios envolvendo a renúncia de Jânio em 1961, na derrotada ameaça à “reabertura” feita pelo general Sylvio Frota em 1977. No atual cenário, caso a extrema-direita bolsonarista se precipite na tentativa de consumar o golpe de Estado, para evitar a derrota e a eventual prisão do seu chefe, o mais provável é que ocorra um desenlace deste tipo.
Isso significa que não há nenhuma possibilidade da instalação de um regime militar escancarado? Não. Enquanto perdure uma ordem fundada na opressão da imensa maioria de trabalhadores por uma ínfima minoria de latifundiários e rentistas, aquela possibilidade sempre existirá. Basta que a crise desemboque em desordem crescente para que esse generalato anticomunista e americanófilo veja no regime militar única forma de manter a unidade das Forças Armadas e de levar a cabo as três tarefas reacionárias de salvação do sistema de exploração e opressão ameaçado de colapso. Basta que o povo brasileiro se insurja contra esta tirania secular, ainda mais, se isto for parte de uma estratégia e não mera explosão isolada de revolta, a reação não hesitará em usar todas as suas armas para afogar em sangue os rebelados. Esta “linha vermelha” é a generalização do que os milicos chamam de “desordem social” e “anomia”, e nós chamamos de aprofundamento da situação revolucionária. Mas mesmo esta saída extrema não prescindirá dos demagogos de plantão e dos politiqueiros oportunistas, que tentarão antes fazer as massas se renderem, em nome da defesa da “legalidade”. Que não é outra coisa, a não ser a paz dos cemitérios.
Portanto, não é em defesa das eleições que devemos nos manifestar, nem desta velha e postiça democracia. A defesa da “democracia” oligárquico-senhorial – na verdade, uma sangrenta ditadura sobre as massas – é incapaz de comover a imensa maioria, fato comprovado pelo esvaziamento dos protestos do último dia 24. Os operários, camponeses e intelectuais devem se manifestar enérgica e radicalmente em defesa das liberdades democráticas, sempre ameaçadas – quando não suprimidas – na vigência dessa velha ordem. Liberdades democráticas estas que só poderão ser plenamente asseguradas num novo regime, de Democracia Popular ou Nova Democracia. Esta não está ameaçada, pois que ainda está por vir. E virá.
EDITORIAL SEMANAL- CORTINA DE HUMO (TRADUCCIÓN)
27 de julio de 2021
POR REDACCIÓN AND
Editorial semanal - Cortina de Humo
La denuncia publicada en “O Estado de São Paulo” provocó una enorme fanfarria la semana pasada, según la cual el ministro de Defensa, Walter Braga Netto, habría amenazado al presidente de la Cámara, si no guiaba al PEC del voto impreso. Según ese diario, los militares dijeron, a través de un interlocutor, que "sin voto impreso no habrá elecciones en 2022".
De inmediato, hay que hacer dos reservas: primero, demócratas y revolucionarios no pueden tomar como verdad absoluta ni una sola línea que salga de los monopolios de prensa, los líderes de las clases dominantes o sus voceros oficiales y extraoficiales. Más aún, en un escenario de crisis y división muy profunda, en el que las deserciones y maniobras de distracción cobran protagonismo en el campo enemigo, absorbidas por una feroz lucha interna.
En segundo lugar, y más importante, si tal declaración se dio en esos términos -y todo indica que sí, fue la amenaza de un hecho, de tal manera que hasta el oficial general de la reserva Santos Cruz, hoy un acérrimo anti- Bolsonarista, haber estado indignado con tal "politización del cuartel", indignación que no habría expuesto si no hubiera sabido, de fuentes fidedignas, que el disparate de Braga Netto era en realidad un hecho concreto, no es más contundente que aquellos que han salido a la luz, mediante auto que presentó la acusación contra Pazuello (por haber participado en un mitin político, lo cual está prohibido por ley) e impuso un secreto centenario a sus procesos internos. Por no hablar de la Nota firmada por el mismo Ministro y por los comandantes de las Fuerzas Armadas el 7 de julio, reprendiendo duramente un tímido discurso del presidente del CPI, Omar Aziz.
Lo concreto es que, el mismo día que los monopolios de la prensa filtraron esta amenaza del ministro de Defensa, Bolsonaro dividió al gobierno de una vez por todas, elevando a Ciro Nogueira al cargo de ministro. ¿Por qué alguien en condiciones de dar un golpe de Estado haría tal maniobra, para salvar el mandato - y la libertad - a costa de una gran desmoralización ante su propia base? ¿No es, por casualidad, el caso claro de un gobierno débil, que se ve obligado a mantenerse a costa de grandes sobornos mientras espera y trabaja por nuevas condiciones, de caos, que le permitan arrastrar a los generales? ¿No es la supuesta amenaza de Braga Netto, como la anterior publicada en una nota conjunta de los comandos de las tres fuerzas, un intento de coaccionar “a quien le importe” para que no apunte al CPI contra las Fuerzas Armadas? Y más: ¿no sería una posición que les permita cuestionar el resultado de las próximas elecciones, si la marcha de los acontecimientos los obliga a faltarles el respeto? ¿No fue esta supuesta amenaza la misma que declaró el entonces Comandante del Ejército, General Villas-Bôas, en vísperas de las elecciones de 2018, cuando ocurrió el incidente de la puñalada en Bolsonaro, cuando dijo que "el próximo gobierno" asumir "sin legitimidad"?
Al final, tanto la nota del 7 como el supuesto mensaje de Netto son menos una defensa de Bolsonaro que de las propias Fuerzas Armadas como una corporación intocable (casi una casta), columna vertebral del viejo Estado reaccionario. Esto se debe a que su naturaleza genocida y corrupta se vuelve cada vez más abierta; no solo su complicidad, sino también su protagonismo en la masacre de más de 550.000 brasileños en poco más de un año, además de los beneficios acumulados por los generales, que generan descontento entre los propios militares. Solo en julio, los Tres Chiflados (Heleno, Ramos y Braga Netto) acumularon salarios superiores a los 100.000 reales. Son estos privilegios indecentes y el manto de silencio sobre sus crímenes seculares los que defienden los gorilas. De hecho, el gobierno militar es un hecho, está ahí, abierto de par en par para quien quiera verlo, instalado a pesar de las elecciones, y hasta legitimado por ellas, una situación ideal para el desenlace del golpe. Esto es lo que AND viene diciendo desde 2017.
El oportunismo, como parte del viejo orden, aprovecha esta cortina de humo para convertir el legítimo espíritu del descontento popular en dóciles marchas por la "legalidad", e incluso en defensa, como ve, de las máquinas de votación electrónica, sin duda más vulnerables a la manipulación externa que billetes de papel. En cualquier caso, el mecanismo en sí no importa: no hay una auténtica democracia fundada en el latifundio, la gran burguesía y el imperialismo. Bajo el talón de estos monopolios, las elecciones no pueden ser más que una farsa. Por cierto, una de las voces que se hizo eco de la declaración de Braga Netto fue la del embajador yanqui Todd Chapman, para quien "el compromiso con la democracia debe verse como innegociable" y "el cáncer de Brasil no es el golpe, sino la corrupción", citando solo casos practicados por los gobiernos del PT. Como puede verse, la democracia brasileña, para él, es parte de su negocio. Esto no significa que no apoyen el golpe militar en curso, siempre y cuando se presente, de manera mínimamente convincente, como portavoz de la democracia, incluso si conduce a otro régimen, y mientras sirva a sus planes para América Latina.