- Victor Bellizia
A cegueira nervosa do monopólio de imprensa nos protestos em 29 de maio
Avenida Paulista tomada por manifestantes durante o ato do dia 29 de maio. Foto: Mídia Ninja
À despeito de toda significância dos protestos de 29M, seja em termos objetivos ou subjetivos, quem tomou os conglomerados de imprensa como referência poderia até imaginar que fosse um sábado vazio de fatos. Não é surpreendente que se tenha de usar desta tribuna para afirmar que, sim, de fato houveram atos oxigenantes nas ruas; mas a forma patética e cínica com que o silêncio do monopólio se deu dessa vez nos demanda algum comentário.
O silêncio
Dos grandes monopólios e conglomerados, Somente a Folha de SP deu destaque às manifestações na capa de sua edição impressa, enfatizando que “(...) em plena pandemia da COVID-19, houve aglomerações”. Em jornais como Extra, Estado de São Paulo, Estado de Minas, Correio Brasiliense e O Globo os atos foram cedidos a espaços minúsculos da capa a despeito de matérias menos urgentes e mesmo irrelevantes, sendo motivo de escárnio nas redes sociais. Na TV, a Record escolheu noticiar as manifestações como “a favor da prorrogação do auxílio emergencial” enquanto a Globo deu o mínimo destaque possível no dia 29 e 30, somente cobrindo de maneira compreensiva na segunda-feira, seja pela pressão, seja para deixar sua marca na disputa política.
Lembra o poema “Aos que virão depois de nós”, onde Brecht escreve “Que tempos são esses, quando falar sobre flores é quase um crime pois significa silenciar sobre tanta injustiça?”. Permanece o diagnóstico de crime, apesar de não se tratarem de flores, mas de “notícias” sobre home office e “reaquecimento do PIB”.
Os interesses
O objetivo do monopólio de imprensa brasileiro tem sido, hoje mais intensamente que no início do governo, polarizar com a figura caricata de Bolsonaro e isentar o máximo possível o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) e criaturas pontuais como Paulo Guedes, representante da fração compradora da grande burguesia. À despeito das contradições óbvias dentro de toda a reação no poder, as descobertas do envolvimento da ACFA e de Pazuello com a gestão carniceira da pandemia unifica todo o governo frente às massas - que cada vez mais abandonam a posição de “Fora Bolsonaro”, ainda que espontaneamente, para demarcações mais amplas.
Sabemos que quando é de interesse da imprensa marrom ela divulga e até promove manifestações. Seu silêncio não é de apoio tácito a Bolsonaro, simplesmente, mas de autopreservação apavorada frente ao acirramento de todas essas contradições e a impossibilidade de dissociar a crítica ao fascista da crítica aos generais e ao golpe militar contrarrevolucionário em curso. A pauta da direita civil de “desgaste de Bolsonaro” torna-se cada vez mais perigosa e incontrolável, pois a linha de demarcação entre Bolsonaro e os generais “legalistas” se enturvece e entre as massas mais profundas já inexiste.
A estranheza que causa a CPI em curso vem justamente do fato de que os senadores tentam desesperadamente isolar a culpa nos bodes expiatórios de Bolsonaro e Pazuello, além de alguns canalhas irrelevantes, enquanto pedem bênção cabisbaixa ao ACFA sempre que possível. O desenvolvimento da CPI, assim como as manobras escusas do ACFA com relação a Pazuello mostram que é impossível desgastar Bolsonaro sozinho, tudo aponta a um buraco muito mais fundo. A entrada da força das ruas na equação é um elemento que põe essa tentativa de gestão parlamentar da crise em cheque e é por essa razão que a imprensa monopolista, sua subordinada, evita dar um caráter de complementaridade entre a CPI e as manifestações - seja tratando as duas como eventos isolados, seja evitando traçar uma linha que indique qual é a principal.
Sobre quem não tem rabo preso
O oportunismo, mais desavergonhadamente refém da direita civil, defende as manifestações como uma espécie de acúmulo parlamentar e eleitoreiro. A cegueira nervosa do monopólio de imprensa, por outro lado, mostra o quanto são imprestáveis mesmo para expressar as reivindicações básicas das ruas, o que rompe as ilusões pequeno-burguesas de que as “massas nas ruas podem pautar a opinião pública da grande mídia” ou coisa que o valha.
Quem ocupou o papel de expôr e
impulsionar as reivindicações foi, de maneira inequívoca, a imprensa
popular e democrática, a única que representa os anseios do povo e sua
luta pela revolução democrática. Cumpre, como sempre cumpriu a chamada à
rebelião e papel de veículo para as demandas populares; mas nesse caso
se evidencia claramente a contraposição simplesmente por ter mostrado
que houveram atos, por dar a eles o destaque merecido, por não ter se
curvado perante qualquer chantagem. Que seja dito em alto e bom som que o
que foi feito pelo monopólio de imprensa no dia 29 foi uma forma velada
de censura; da forma cínica que é permitida pelo regime demoliberal
burguês, favorecendo à “liberdade de imprensa” à despeito da liberdade de informação; o que só tem como remédio o impulsionamento vivaz da imprensa popular e democrática!