JAILSON DE SOUZA
21 JANEIRO 2022
Potências imperialistas e as tempestades
revolucionárias no Cazaquistão
Manifestantes lotam avenida durante levante de massas
no Cazaquistão. Foto: Reprodução
No dia 2 de
janeiro, eclodiram no Cazaquistão os maiores levantes de massas do país desde
1986, quando este era ainda uma república da antiga URSS social-imperialista. Segundo o monopólio de imprensa, os grandes
levantamentos deixaram até o momento 225 mortos, entre uma grande maioria de
civis e 19 agentes de repressão do Estado, além de 4,5 mil feridos. O
estopim das manifestações foi o repentino aumento dos preços do gás liquefeito
de petróleo, muito utilizado no país como combustível e também para fins domésticos,
como cozinhar. Os justos levantes jogam água no moinho de duas contradições
fundamentais da nossa época: a contradição entre a nação oprimida (no caso, o
Cazaquistão) versus as potências e superpotências
imperialistas, e a contradição entre os próprios países imperialistas pela
partilha e repartilha do mundo.
Desde a restauração capitalista na União Soviética,
desatada pelo golpe de Estado de Nikita Kruschov e sua camarilha após a morte
do chefe comunista Stalin, a Rússia voltou a ser a prisão dos povos, exaltando
o nacionalismo grão-russo e adotando práticas de social-imperialismo com as
demais repúblicas soviéticas e demais nações sob sua influência, práticas estas
ratificadas pela tese imperialista de "soberania ilimitada" e “divisão
internacional do trabalho” de Leonid Brejnev, sucessor de Kruschov. O
Cazaquistão, desde então, tornou-se uma das principais e mais importantes
semicolônias da Rússia social-imperialista, tanto por sua extensão territorial,
sendo a maior nação entre as 15 ex-repúblicas da União Soviética, quanto por
suas reservas colossais de petróleo, gás natural, urânio e metais preciosos,
além de sua grande quantidade de massas trabalhadoras.
O Cazaquistão, nas últimas décadas, tem sido explorado
por multinacionais do ramo de petróleo e gás como a anglo-holandesa Shell,
as norte-americanas Chevron e ExxonMobil e a
multinacional russa Lukoil. As empresas atuam na região sudoeste do
país, onde justamente se iniciaram os protestos após o governo de Tokayev
permitir o aumento do gás liquefeito de petróleo. Tal como em 2011, quando
houve protestos de operários do ramo petrolífero em que 14 operários foram
mortos e ao menos 100 ficaram feridos, a cidade de Zhanaozen à sudoeste foi
novamente palco de greves e manifestações.
RÚSSIA ATIVA
PELA PRIMEIRA VEZ A ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DE SEGURANÇA COLETIVA (OTSC)
No dia 5 de janeiro as manifestações chegaram à cidade
de Almaty, antiga capital e ainda centro político e econômico do país, onde se
desenvolveu uma escalada de violência com manifestantes ateando fogo no
gabinete do prefeito e ensaiando assumir o controle de delegacias de polícia. O
então presidente Tokayev ordenou que as forças de repressão atirassem para
matar, além de instituir estado de emergência e toque de recolher em todo o
país. Tokayev fora obrigado a demitir todo o governo e recuar em relação ao
aumento no preço do gás, medidas que foram insuficientes para conter as
manifestações, que já adquiriam naquele momento caráter político, de revolta
contra a velha ordem em geral.
Nesta situação, a Rússia prontamente tratou de ocupar
com 2 mil soldados a nação cazaque, ativando pela primeira vez na história a
OTSC, organização militar fundada em 1992 que reúne atualmente sete países da
extinta União Soviética, além do Afeganistão. A OTSC é chefiada por interesses
do imperialismo russo e o seu ativar no Cazaquistão é a prova cabal de que o
país é, de fato, semicolônia russa. Ainda que o Cazaquistão receba enormes
quantidades de capital ianque, a ocupação militar chefiada pela Rússia não
deixa dúvidas de quem realmente domina a região, o que faz jus à forma como
temos classificado a Rússia há anos: como uma superpotência atômica, aquém em
termos de capital financeiro em relação à superpotência hegemônica ianque,
porém com um considerável e importante poderio militar e bélico-atômico, o que
permite-lhe brigar, ainda que com uma estratégia defensiva, pela partilha e
repartilha do mundo.
Por conseguinte, a pressão do imperialismo ianque por
agravar a crise aberta no Cazaquistão e tentar tirar proveito dela demonstra a
situação delicada na qual se encontra a Rússia, apesar de seu poderio. A perda
de sua influência na Ucrânia, fato culminante do longo processo de perdas de
semicolônias e zonas de influência no leste europeu (processo iniciado no
início de 1990), colocou a burguesia monopolista russa em um cerco, de caráter
econômico como também militar.
O ACIRRAMENTO
DA PUGNA INTERIMPERIALISTA: O PROBLEMA DA VANGUARDA REVOLUCIONÁRIA E POSIÇÃO
DOS OPORTUNISTAS
É bem verdade que é complexa a situação política no
Cazaquistão, e é mais verdade ainda que potências imperialistas ocidentais e,
em especial, a superpotência hegemônica única (os ianques) buscam explorar as
manifestações para obter avanços políticos ou mesmo pressionar a Rússia. O presidente
russo Vladimir Putin acusou abertamente forças estrangeiras de atuarem para
desestabilizar o Cazaquistão através de grupos paramilitares, utilizando as
mesmas táticas que derrubaram em 2014 o presidente ucraniano Viktor
Yanukovytch, que expressava o regime político semicolonial à Rússia. Naquela
situação, grupos chauvinistas de extrema-direita atuaram ativamente nas
manifestações ucranianas e na guerra civil que se instalou ao leste do país em
favor do imperialismo ianque.
O fato é que não existem até o momento provas cabais
para essa afirmação de Putin (o que se tem é o esgotamento da velha ordem
semicolonial perante as massas) e, por outro lado, os protestos no Cazaquistão
deram aval para que a Rússia ativasse a OTSC, o que lhe permitiu tanto a
consolidação do tratado quanto uma demonstração de força frente à Organização
do Tratado do Atlântico Norte (Otan), situação que leva a um impasse temporário
nesta pugna. No plano estratégico, porém, esta é uma situação que joga mais
material inflamável nas contradições interimperialistas, que marcha em
potencial como preparativos para uma inevitável guerra mundial para repartilhar
o controle sobre as zonas de influência e semicolônias. Porém, a tendência
política principal segue sendo a Revolução.
Os oportunistas tendem a condenar esses levantamentos
sob conceitos confusos de "guerra híbrida" e "revolução
colorida", como se todas as milhares de massas que levantaram-se para
protestar fossem golpistas pró União Europeia ou coisa que o valha, o que não
passa de puro cretinismo, posição de quem não vê as massas como agentes da
história. Em realidade, ao fazer isso, fortalecem justamente as direções que
tentam cooptar essas manifestações em benefício de outros amos imperialistas
que não a Rússia.
É claro que há
atuação do imperialismo ianque, através de forças reacionárias locais ligadas a
determinados fração e grupos de poder das classes dominantes cazaques. Isso há
em todas as revoltas importantes que eclodem, legítimas e espontâneas, nas
nações oprimidas e submetidas à zona de influência do imperialismo russo. Tanto
porque, no caso cazaque, tais forças pró-ianques exigem readequações no regime
político que correspondam à crescente penetração de capital ianque naquela
economia. Disso, não há dúvidas; como não há dúvidas de que, com ou sem atuação
do imperialismo ianque para agravar a crise, as massas devem lutar, sem temer
que se aprofunde o caos nas entranhas do regime reacionário, assim como devem
desejá-lo. Temer isso significaria resignação total, pois toda luta de massas
em situações similares e em qualquer país do mundo é “aproveitada” pelas forças
oposicionistas reacionárias para desgastar o governo de turno e os grupos de
poder dominantes para substituí-los pelos seus próprios. Todavia, as massas não têm e nem deveriam ter
consideração por este ou aquele imperialismo, este ou aquele governo de turno
reacionários, quando a elas são reservadas, seja qual seja o tacão de ferro a
oprimi-las, a mesma base de exploração e opressão que as impede de viver dignamente
e alcançar sua emancipação efetiva, isto é, o Socialismo, rumo ao Comunismo.
O problema, não só no Cazaquistão, mas em todos os
países em que os povos se rebelam, é a falta de um autêntico Estado-maior do
proletariado revolucionário, que saiba como garantir no terreno estratégico os
interesses histórico-universais tanto da nação oprimida em questão como, em
especial, do seu núcleo fundamental: o proletariado e o campesinato, as massas
básicas, eliminando do movimento popular as direções não-proletárias,
capituladoras, serviçais do imperialismo e da grande burguesia.
Do ponto de vista das massas populares e dos
revolucionários, o apoio à luta das massas cazaques deve ser irrestrito. Para
tanto, não importa que não haja possibilidade imediata surgir tal Estado-maior
proletário e de que esta luta, atual, se converta em luta política dirigida por
dita força revolucionária. O que importa é que a vanguarda do proletariado
tende a surgir tanto mais facilmente ali onde ocorrem as tempestades e cataclismas
revolucionários, ainda mais se há ali tradições proletárias de luta; surge onde
as massas são remexidas, quando se chocam com a velha ordem e seus elementos de
vanguarda podem apreender as leis gerais da luta de classes e deduzir a
estratégia de luta proletária; quando, inspirados pelo exemplo dos povos em
cuja dianteira se encontram vanguardas revolucionárias proletárias, conformam
suas próprias direções proletárias. Quiçá, assim inicia-se a história de toda
revolução proletária.