Editorial semanal – O novo caminho
Policiais Militares reprimem protesto de caminhoneiros no Porto de Santos, São Paulo, 1 de novembro. Foto: Pablo Valadares
A crise brasileira, como temos dito tantas vezes, está longe de um desfecho. A antecipação da campanha eleitoral de 2022, que ganhou um ingrediente novo com a entrada em cena do ex-juiz Sérgio Moro, revela o nível de divisão existente entre as classes dominantes e a predominância, até aqui, da mesma falsa polarização havida em 2018.
Nesse cenário, há situações que são uma espécie de sinal dos tempos. A já célebre PEC dos Precatórios – denominada PEC do calote –, aprovada em meio a negociatas pesadas e explícitas, é um deles. Algo em torno de R$ 1 bilhão de reais em emendas foi destinado para a compra de votos. Além disso, uma grande parte do recurso levantado com a eventual aprovação do texto – além daquela destinada ao custeio do “Auxílio Brasil” – servirá para financiar novas emendas parlamentares em pleno ano eleitoral. É a associação da política da fome com a política do banquete: aquela, para os trabalhadores/eleitores, esta, para os coronéis/candidatos.
Seguindo à risca a cartilha do Banco Mundial, aplicada no Brasil por todos os governos de turno desde a dita redemocratização, as políticas assistencialistas apenas repõem com uma mão aquilo que as contrarreformas antipopulares e antinacionais tiram com o corpo inteiro. Os lucros exorbitantes de um punhado de acionistas da Petrobras mantêm-se preservados, por exemplo, enquanto politiqueiros reacionários amealham votos distribuindo tíquetes, que equivalem a apenas uma fração irrelevante do que foi arrancado do suor e do sangue da população. Isso também vale para os direitos trabalhistas pisoteados, para a proteção a qualquer custo do setor agroexportador e tantos outros males. Aqueles “programas” financiam menos os beneficiários diretos do que os parasitas da Nação, ao assegurar as condições para o prosseguimento das suas torpes transações. Na verdade, como se vê, a corrupção ilegal serve apenas para azeitar a grande corrupção legalizada e praticada todos os dias contra milhões e milhões de trabalhadores, resultante da subjugação de cunho burocrático-semifeudal, serviçal do imperialismo, que infelicita o Brasil há cinco séculos. Sobre esta última, não dão nem um pio sequer os doutos analistas burgueses, lacaios assalariados da reação mais cínica e grosseira.
Engana-se, portanto, quem defende a possibilidade de dar cabo destas mazelas por via eleitoral. Ao contrário, a farsa bilionária – também ela, financiada com o dinheiro extorquido à população, fonte de outras tantas benesses e cargos comissionados – não pode alterar em nada a ordem econômica vigente, mas serve a legitimá-la e prolongá-la no tempo. Neste cenário, tanto a chamada “terceira via” como a “polarização” são discursos falsos, sem a mais mínima correspondência à realidade, que só vigoram pela repetição. Embora haja muitos candidatos, com diferentes nuances e abordagens (mais fruto de truques de marqueteiros do que de distinções ideológicas), todos se alinham na defesa da “ordem” e da “Constituição”, leia-se, na manutenção do massacre cotidiano das massas; e, por decorrência, tampouco há entre estes candidatos qualquer polarização efetiva, mas apenas táticas diversas para aplicar os mesmos interesses das classes dominantes. Que são, de resto, salvaguardados por instituições infensas a qualquer controle e votação externa, mesmo formalmente: o Judiciário e, em última instância, as Forças Armadas. Bela democracia burguesa!
Contra esta hipocrisia – que não se pode nem chamar de bem organizada – só há um único caminho: o da luta independente e combativa, construída por organizações democráticas que sejam a antípoda de todas as instâncias reacionárias. E este caminho, tão bem expresso na vitoriosa mobilização camponesa da Área Tiago dos Santos, em Rondônia, abrirá passagem e se fortalecerá, através de todos os ziguezagues e vicissitudes da luta de classes.